Pela primeira vez na história, uma pessoa recebeu um transplante de córnea totalmente biofabricado em 3D. A cirurgia foi realizada por médicos do Centro Médico Rambam, em Israel, no fim de outubro.
A paciente foi uma mulher de 70 anos, cega de um olho. Ela esperava por um transplante de córnea há mais de seis meses e se recupera bem após o procedimento.
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A cirurgia fez parte de um estudo clínico de fase 1 em andamento em Rambam. Neste estágio, os médicos avaliam a segurança e a tolerabilidade do implante em pacientes com doença endotelial da córnea. Outros 10 a 15 pacientes devem participar desta fase da pesquisa para atestar a segurança mínima do procedimento.
“Pela primeira vez na história, testemunhamos uma córnea criada em laboratório, a partir de células humanas vivas, devolver a visão a um ser humano. Foi um momento inesquecível — um vislumbre de um futuro onde ninguém precisará viver na escuridão por falta de tecido para transplante. Isso muda tudo”, afirmou o professor Michael Mimouni, diretor da Unidade de Córnea do Departamento de Oftalmologia do Rambam e líder da equipe cirúrgica.
Em comunicado à imprensa, o médico explica que o implante de córnea foi cultivado inteiramente a partir de células corneanas humanas, em vez de tecido de um doador e transplantado com sucesso para a paciente. Neste caso, uma única córnea de um doador falecido e saudável é cultivada em laboratório para criar e imprimir mais 300 implantes de córnea.
O implante PB-001 foi fabricado pela Precise Bio, uma empresa israelense de medicina regenerativa que desenvolve tecidos biofabricados usando células humanas e tecnologia de impressão 3D. A plataforma produz uma estrutura corneana transparente em camadas, projetada para replicar a clareza e a função de uma córnea humana saudável.
Inovação pode reduzir filas para transplante de córnea
Pacientes de todo o mundo enfrentam longas filas para um transplante de córnea. Estima-se que, para cada 70 pessoas que precisam da cirurgia, apenas uma córnea de doador está disponível. Dados do Ministério da Saúde mostram que mais de 33 mil pessoas aguardam por um transplante de córnea no Brasil.
Iniciativas como a dos pesquisadores de Israel poderiam encurtar as filas, possibilitando que pacientes voltem a enxergar.
“Apesar de o Brasil ser um dos países que mais realiza transplantes de córnea no mundo, a demanda ainda é maior que a oferta. Em muitos estados, o tempo de espera pode variar de meses a mais de um ano, dependendo da gravidade do caso e da disponibilidade de córneas doadas”, afirma o oftalmologista Pedro Soriano, do Hospital de Olhos de Pernambuco (HOPE).
O médico avalia que o estudo israelense representa um marco histórico porque ataca diretamente o maior obstáculo do transplante tradicional: a dependência da doação humana. Segundo ele, os principais pontos de impacto são:
- Aumentar a disponibilidade de córneas, reduzindo drasticamente o número de pessoas aguardando tratamento;
- Criar tecidos sob medida, adaptados à curvatura e espessura da córnea do próprio paciente;
- Diminuir risco de rejeição, já que muitos modelos usam células do próprio paciente combinadas a biomateriais compatíveis;
- Ampliar o acesso global ao transplante, especialmente em regiões onde a doação é insuficiente.
“É um tipo de tecnologia que pode transformar radicalmente o campo da cirurgia de córnea”, avalia Soriano.
Os primeiros dados consolidados sobre a eficácia do transplante de córnea totalmente biofabricado em 3D e baseado em células devem ser publicados no segundo semestre de 2026. Até lá, a paciente seguirá em acompanhamento pelos médicos.