Dezembro inaugura o período mais quente do ano e traz à tona um efeito pouco comentado, mas cada vez mais evidente: o impacto direto das altas temperaturas no equilíbrio hormonal.
Com ondas de calor mais frequentes no Brasil, o corpo passa a operar em um esforço contínuo para se manter em segurança, e esse mecanismo afeta desde o humor até o ciclo menstrual.
O calor não age apenas na sensação de desconforto físico — ele altera processos internos que sustentam o funcionamento dos hormônios. A endocrinologista Fernanda Parra explica que, sob calor extremo, o organismo entra em modo de adaptação.
“O calor excessivo ativa mecanismos de sobrevivência do corpo, elevando hormônios de estresse como o cortisol. A maior parte das pessoas sente isso como irritabilidade, cansaço ou dificuldade para dormir, mas raramente associa ao clima”, afirma. O aumento do cortisol, segundo ela, é uma resposta automática, mas pode gerar sintomas persistentes quando o calor é prolongado.
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Como o calor altera o funcionamento hormonal
Quando o corpo enfrenta temperaturas muito altas, interpreta o calor como um fator de estresse. Isso faz o cortisol subir e, ao mesmo tempo, reduz a produção dos hormônios tireoidianos T3 e T4 para economizar energia.
A pessoa pode sentir lentidão, sonolência, queda no ritmo de trabalho e dificuldade de concentração. Parra destaca que essas oscilações são reais, mesmo quando exames hormonais permanecem dentro da normalidade.
A desidratação comum do verão agrava o cenário: com menos líquido circulando, o transporte de hormônios fica prejudicado. Isso ajuda a explicar episódios de tontura, fraqueza, cansaço exagerado e sensação de esgotamento mental.
Nas mulheres, os efeitos do calor se tornam muito mais perceptíveis. O ginecologista Alexandre Pupo Nogueira destaca que a alta temperatura não altera diretamente a secreção de estrogênio e progesterona, mas o estresse térmico e o excesso de cortisol podem influenciar a ovulação e o ciclo menstrual.
“O aumento do cortisol pode afetar a secreção das gonadotrofinas — FSH e LH —, que regulam o funcionamento dos ovários. Isso pode alterar o período ovulatório, causar atrasos menstruais e modificar o padrão de sangramento”, explica.
Pupo ressalta também que a desidratação pode interferir no ciclo de forma indireta. Quando o corpo perde água, o metabolismo entra em alerta, alterando a liberação de hormônios que regulam o ciclo menstrual. “É comum que isso provoque atrasos, além de piorar irritabilidade e alterações de humor”, afirma o médico.
Cuidados importantes para mulheres no verão
Para reduzir os impactos hormonais do calor, os especialistas recomendam:
- Hidratação constante, incluindo bebidas com eletrólitos, para manter o transporte hormonal estável.
- Evitar sol entre 10h e 16h, quando há maior risco de estresse térmico.
- Roupas leves e tecidos naturais, como algodão e linho, que ajudam a dissipar o calor.
- Sono regular, indo para a cama mais cedo para minimizar noites mal dormidas causadas pelo calor.
- Alimentação leve, priorizando frutas, verduras e alimentos in natura.
- Ambientes arejados ou com ventilação adequada, reduzindo a sobrecarga térmica.
- Evitar exercícios intensos nos horários mais quentes, protegendo o corpo de picos de cortisol.
Quem sente mais: impacto em doenças hormonais pré-existentes
Algumas condições tornam o organismo ainda mais sensível ao calor. Mulheres com síndrome dos ovários policísticos (SOP), por exemplo, já convivem com inflamação crônica e resistência à insulina. Segundo Pupo, o estresse térmico aumenta ambas, o que pode agravar sintomas como acne, irregularidade menstrual e excesso de pelos.
Na endometriose, doença que também envolve inflamação sistêmica, o cortisol elevado intensifica a sensibilidade à dor. Já nas disfunções da tireoide, o impacto é duplo:
- No hipotireoidismo, a combinação entre metabolismo lento e cortisol alto aumenta o cansaço.
- No hipertireoidismo, o metabolismo acelerado produz ainda mais calor interno, tornando as ondas de calor externas especialmente desgastantes.
Alterações como hipertermia, dor de cabeça intensa, tontura, ausência de urina, inchaço, palpitações e exaustão extrema são sinais de alerta e pedem avaliação médica. No caso do ciclo menstrual, atrasos superiores a 10 dias, menstruações muito abundantes ou a ausência de menstruação por dois meses também exigem investigação.
Alterações emocionais — como irritabilidade, sensibilidade exacerbada e dificuldade de controlar o estresse — são comuns no calor, especialmente porque o sono tende a ficar mais leve e fragmentado. Isso reduz a capacidade de o corpo regular hormônios essenciais ao humor e ao ciclo ovulatório.
Para Parra, reconhecer que o clima influencia o sistema endócrino é fundamental. “O sistema endócrino é sensível ao ambiente. Cuidar do corpo no calor é uma forma de proteger seu equilíbrio hormonal”, afirma.
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