Pesquisadores da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, e da Fundação Simons identificaram quatro subtipos clinicamente e biologicamente distintos de autismo. O estudo, publicado nessa terça-feira (8/7) na revista científica Nature Genetics, marca um avanço importante na compreensão da base genética da condição e pode abrir caminhos para tratamentos mais personalizados no futuro.
Os cientistas analisaram dados de mais de 5 mil crianças participantes do Spark, um dos maiores estudos genéticos sobre autismo, financiado pela Fundação Simons. Com auxílio de um modelo computacional avançado e uma abordagem centrada na pessoa, a equipe agrupou os participantes com base em mais de 230 características clínicas, comportamentais e de desenvolvimento, como interação social, comportamento repetitivo e marcos de fala e locomoção.
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Essa análise de dados revelou quatro grupos principais, cada um com trajetórias de desenvolvimento e perfis genéticos próprios. Os pesquisadores afirmam que os achados ajudam a explicar por que os estudos genéticos anteriores tinham resultados tão diversos e podem facilitar diagnósticos mais precoces e tratamentos individualizados.
Os quatro subtipos de autismo identificados
- Desafios Sociais e Comportamentais (37% dos participantes): indivíduos que apresentam traços centrais do autismo, como dificuldades de interação social e comportamentos repetitivos, mas sem atrasos no desenvolvimento motor ou de fala. Costumam ter condições associadas, como TDAH, ansiedade, depressão e transtorno obsessivo-compulsivo.
- TEA Misto com Atraso no Desenvolvimento (19%): crianças que demoram mais a andar e falar, mas que geralmente não apresentam ansiedade nem comportamentos disruptivos. Dentro deste grupo, há variações quanto à intensidade dos sintomas sociais e repetitivos.
- Desafios Moderados (34%): apresentam sintomas autísticos mais leves e alcançam os marcos de desenvolvimento no tempo esperado. Normalmente não têm outras condições psiquiátricas associadas.
- Amplamente Afetado (10%): o grupo mais severamente impactado, com atrasos no desenvolvimento, dificuldades sociais e comportamentais graves e presença frequente de condições como ansiedade, depressão e alterações de humor.
Além das diferenças clínicas, os pesquisadores encontraram padrões genéticos distintos para cada grupo. As crianças amplamente afetadas, por exemplo, tinham uma quantidade maior de mutações — alterações genéticas que não foram herdadas dos pais. Já as crianças com autismo misto e atraso no desenvolvimento apresentaram maior quantidade de variantes raras herdadas da família.
“Essas descobertas apontam para hipóteses específicas que ligam vários caminhos a diferentes apresentações de autismo”, afirmou Aviya Litman, coautora do estudo e doutoranda em Princeton, em comunicado institucional sobre o estudo.
Os pesquisadores também descobriram que o momento em que as alterações genéticas influenciam o desenvolvimento varia entre os subtipos. Em alguns casos, os genes ligados ao autismo agem ainda na gestação. Em outros, como no grupo de Desafios Sociais e Comportamentais, os genes associados começam a atuar apenas na infância, explicando por que esses sintomas costumam aparecer mais tarde.
Segundo os autores, a descoberta de subtipos biológicos permite que médicos e cientistas deixem de buscar uma única causa para o autismo e passem a investigar trajetórias distintas para cada perfil. “É um paradigma totalmente novo”, explica a coautora Chandra Theesfeld, gerente de pesquisa do Instituto Lewis-Sigler e da iniciativa Princeton Precision Health.
A expectativa é que, no futuro, seja possível identificar em qual subtipo uma criança se encaixa logo após o diagnóstico, possibilitando tratamentos mais adequados e personalizados. Isso pode incluir desde terapias específicas até adaptações no ambiente escolar ou no trabalho.
A psicóloga clínica Jennifer Foss-Feig, coautora do estudo, destacou que essa compreensão pode trazer mais clareza para as famílias. “Saber qual subtipo de autismo seu filho tem pode oferecer mais clareza, cuidado personalizado, apoio e comunidade”, afirma.
Embora ainda seja cedo para aplicar esses subtipos no diagnóstico clínico diário, o estudo oferece uma boa estrutura para futuras pesquisas. A equipe de Princeton e da Fundação Simons pretende aprofundar as investigações sobre os mecanismos biológicos de cada subtipo e avaliar se outras condições do neurodesenvolvimento, como TDAH ou deficiência intelectual, também podem ser divididas em grupos biológicos semelhantes.
“Com esses achados, estamos abrindo portas não só para entender melhor o autismo, mas também outras condições complexas e heterogêneas”, concluiu Theesfeld.
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