Na velhice, dependência aumenta o isolamento e afeta a saúde mental

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*O artigo foi escrito pela professora do departamento de enfermagem clínica e cirúrgica Girliani Silva de Souza, da Unifesp, e publicado na plataforma The Conversation Brasil.

O Brasil vive um processo acelerado de envelhecimento. Em 2023, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia (IBGE), cerca de 32,1 milhões de pessoas tinham 60 anos ou mais. Isso equivale a 15,6 % da população em comparação à taxa de 8,7 % vista em 2000. A estimativa é de que esse percentual chegue a 37,8 % em 2070, com uma parcela significativa acima dos 80 anos.

Neste panorama, a dependência funcional na velhice revela desafios crescentes e precisa ser mais estudada e abordada. Segundo o estudo Pessoas idosas dependentes e sua saúde mental: estudo multicêntrico brasileiro, publicado recentemente, os idosos com dependência funcional vivenciam sofrimento psíquico intenso, marcado por sintomas depressivos, solidão e sensação de ser um fardo.

O sofrimento psíquico é agravado por limitações físicas e isolamento social. O estudo, que tem acesso aberto, pode ser conferido na edição de maio da revista Cadernos de Saúde Pública (CSP).

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Conduzido por um grupo de pesquisadores e por mim nas cinco regiões do Brasil, o objetivo deste trabalho foi ouvir a percepção sobre a saúde mental de 47 idosos com dependência funcional, acompanhados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), entre agosto e dezembro de 2019. Os participantes, todos com pelo menos seis meses de dependência em atividades básicas do cotidiano, foram recrutados em áreas urbanas e rurais.

O estudo definiu dependência como a necessidade de apoio parcial ou integral para executar atividades da vida diária devido a limitações motoras ou sensoriais. As respostas dadas pelos entrevistados a uma série de perguntas evidenciaram que a convivência com limitações físicas e o isolamento social levam ao sofrimento psíquico.

Nos depoimentos, vimos que a tristeza assume múltiplos sentidos, ancorada na falta de autonomia para executar as atividades rotineiras e na vergonha das alterações no corpo que levam à limitação funcional e à solidão. Na conversa com os entrevistadores, a maioria os idosos também apresentou sintomas de depressão e ansiedade.

Fragilidade emocional e física

Basta compartilhar um breve relato para transmitir o peso do isolamento e da frustração sentidos por esses idosos que perdem funções básicas: “É uma tristeza que dói lá dentro, eu acho a vida sem graça, os outros ficam empurrando a gente em um carrinho. Não é preconceito, é que eu gosto de estar me movimentando, mas agora eu sinto dor, ela vem de repente, como é que uma pessoa que não dá conta de caminhar e sente dor vai ter alegria?” Esta fala é de uma idosa de 75 anos em Belo Horizonte.

A conjunção do envelhecimento com doenças crônicas — acidente vascular cerebral (AVC), doença de Parkinson, artrose e diabetes, entre outras — agrava essa fragilidade física e emocional. A violência, seja ela psicológica ou por abandono, intensifica os quadros depressivos, enraizando pensamentos de morte e a sensação de inutilidade.

Os relatos permitiram identificar também alguns fatores que podem ajudar a proteger e promover a saúde mental deste grupo. Os idosos destacaram que “ter com quem conversar” e a qualidade das relações sociais são fundamentais para o seu bem-estar e destacaram o valor da relação com os vizinhos, da participação em grupos de convivência e das visitas de grupos religiosos.

Esses achados estão alinhados com diversos estudos internacionais. Na Holanda, a Netherlands Study of Depression in Older Persons (NESDO) acompanhou idosos deprimidos ao longo de seis anos em cinco regiões, mostrando que o curso da depressão na velhice costuma ser crônico e associado a comorbidades físicas e cognitivas.

Nos Estados Unidos, Covinsky et al., usando dados do Health and Retirement Study (HRS), demonstraram que participantes com alta sintomatologia depressiva no início eram 40 % mais propensos a desenvolver limitações de mobilidade e dificuldades em atividades diárias ao longo de doze anos.

A necessidade de escuta ativa

Os achados do estudo brasileiro reafirmam que a dependência funcional afeta de forma profunda a saúde mental dos idosos: 100% relataram sintomas de depressão e ansiedade, mais de 80% manifestaram pensamentos de morte e quase todos descreveram sensação de fardo e isolamento, enquanto apenas um terço identificou recursos internos de resiliência e bem-estar espiritual como mecanismos de enfrentamento.

Diante dessa realidade, há uma necessidade iminente de estruturar uma resposta articulada nos serviços de saúde e com outros setores para cuidar dos idosos dependentes. É muito importante implementar ações nos pontos de atenção primária e com equipes especializadas em geriatria e gerontologia, transformando a atitude dos profissionais para oferecer um cuidado verdadeiramente integral, acolhedor e humanizado.

Por um lado, a capacitação em escuta ativa das demandas psicossociais — com profissionais treinados para reconhecer e responder às necessidades psicológicas — combate a sensação de se sentir um fardo e o sofrimento psíquico. Porém, as medidas de proteção devem ser ampliadas para além do consultório e articuladas com a assistência social, direitos humanos e cultura.

Elas incluem o fortalecimento da resiliência e a construção de redes de convivência: apoio de cuidadores formais, apoio aos cuidadores familiares, atividades comunitárias e espaços coletivos para socialização. São pontos a serem implementados para tornar efetiva a nova política nacional de cuidados e é o primeiro passo para que nossos idosos tenham mais dignidade, autonomia, bem-estar psicológico e sejam de fato incluídos e valorizados na sociedade.

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